A primeira ideia que surge é precisamente a de uma ruptura entre dois mundos: um, o de Saramago, vivo, humano, feito com gente que pensa ou que não pensa, que tem espírito crítico ou não, que é dominada ou não pela ditadura económica contemporânea; outro feito de máquinas, hoje absolutamente necessárias ou não, produtoras de “redes e relações” mas também de dependências e de lixos descomunais que vão ferindo de morte o Planeta. Este é um mundo impessoal, onde parece não haver crianças a morrer de fome, como as referidas por Saramago, e que foi iniciado, nos inícios dos anos oitenta, por Tim Berners-Lee, e que, em 1989, com a invenção da World Wide Web (WWW) vai dar início a um processo imparável de desenvolvimento da “rede” ou dessa teia de aranha global que hoje nos envolve.
Da Web para a Amazon.com (1994) e vendas na rede, para o motor de busca Google (1998) e outros motores de busca, para o Blogger e o Friendstar (1999), todos eles sempre em aperfeiçoamento permanente (basta ver o Google e a sua aquisição do Gmail e todos os “serviços” que “oferecem” aos “clientes”.
A ideia do 4.º poder, o mediático, acordar, em 2011, não parece realista, pelo menos na sociedade portuguesa. Continuarão, como nós, embalados pela estrela consumista, erigindo-a como o deus dos novos tempos.
O documentário “EPIC 2014” começa, de facto, de um modo ambíguo, dizendo que é o melhor e o pior dos tempos. Será, talvez, melhor para quem tenha acesso às novas tecnologias e pior para os “infoexcluídos”; ou precisamente o contrário (por que não?): o melhor, para quem não dependa do “conjunto de trivialidades, em sua maioria falsas” e o pior para os aprisionados a este mundo mediático, sem tempo para viver, sentir, saborear o quotidiano. Poderíamos falar, mesmo, em “máquinas de emissão-recepção”. Aqui, a ligação ao discurso de Saramago parece evidente: há gente que pensa, há pessoas que resistem, e outras não. Sem espírito crítico, a humanidade perde-se e é dominada ou pela ditadura económica ou pela ditadura das informações.
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